Saul ainda estava extasiado com os acontecimentos daquela noite. Quem era aquela senhora que ele nunca viu e de repente aparece o transportando para outro lugar? De fato, ela era mestre nas antigas artes. A sutileza dos movimentos para conjurar os encantamentos eram no mínimo, belos. À volta deles o que se via era uma floresta escura muito densa, com uma fogueira providencialmente acesa por um encantamento. A senhora baixinha e de óculos enormes o trouxera até ali. Saul mal podia se conter, queria respostas e começou a inquirir a velha:
- Me desculpe, mas quem é a senhora? Onde estamos?
- Ah! a juventude, quisera eu poder beber de sua fonte novamente - resmungou a senhora sem se fazer entender. Saul coçou a cabeça e meio impaciente insistiu:
- Senhora, algo aconteceu a pouco e não sei o que é, de repente você aparece me trazendo a este lugar. Preciso saber no mínimo quem é! - a velha ajeitou os óculos pesados em um movimento suave, esboçou um sorriso e replicou:
- Eu sou sua avó, meu querido.
A cor da pele de Saul sumiu e ele quase desfaleceu inconsciente depois de ouvir a revelação. Tratou de se sentar rapidamente até que o efeito passasse.
- Meu nome é Gerda Hexe, sou mãe de Elizabeth, sua mãe. Infelizmente não pude conhecê-lo até hoje devido a um desentendimento com sua mãe. Mas nunca é tarde não é!? - sorriu como se tudo aquilo já era previsto de acontecer e continuou:
- Estamos na floresta de Saeftinghe a leste de Zeeuws-Vlaanderen na Finlândia. Perto daqui havia um vilarejo, cujo nome foi dado a esta floresta, que foi totalmente inundado pelas águas do mar. Lá nasceram os primeiros do nosso clã.
- Vovó? Eu pensei que você já havia falecido. Minha mãe nunca me deu detalhes do que houve entre vocês - Saul recobrara a avidez e já se sentia a vontade com Gerda.
- Este é um assunto para outra hora meu querido - cortou-o de repente - agora precisamos nos apressar para ter uma chance de consertar o que você fez hoje.
- O que foi que eu fiz? Por um momento me sentia tão bem. Pensei ter expurgado todo mal que tinha dentro de mim. Pelo menos era o que o encantamento prometia - explicou aflito.
- É um erro comum entre iniciantes nas antigas artes. - parou um pouco e refletiu, depois de um longo suspiro continuou - A tradução correta não é "libertar o usuário das mazelas humanas" como você deve bem ter lido e sim: Libertar o Causador das Mazelas Humanas.
- Então, aquela figura que se mostrou para mim agora a pouco é...- completou Saul horrorizado.
- Seu nome é Kopeus e é muito poderoso. Ele vai tentar libertar seus companheiros antes de fazer qualquer outra coisa. Quando estiver com os do seu tipo, será invencível. Eu já lutei uma vez contra alguns de seus semelhantes para salvar um vilarejo há muito tempo atrás.
- Nossa, e a senhora conseguiu derrotá-lo?
- O mundo ainda existe não é meu jovem - sorriu Gerda, desdenhando a inocência do garoto. Ela então se levantou e em um tom sério começou a explicar:
- Preste muita atenção Saul, tenho que compartilhar certas coisas com você agora para que esteja preparado no momento em que encontrarmos com Kopeus. - Saul consentiu com um aceno de cabeça e Gerda continuou:
- Saeftinghe foi o primeiro lugar onde ele apareceu. Na ocasião, os primeiros mestres nas antigas artes, conseguiram contê-lo usando o Cajado de Elegast. O Cajado é um artefato muito antigo deixado pelo rei dos elfos para proteção do nosso clã.
- E esse Cajado ainda existe vovó?
- Sim. Ele está na cidade, que agora descansa debaixo das águas do mar Scheldt. Apenas sereias conseguem entrar na cidade, que está protegida com um feitiço.
Saul já não se via surpreso com a descoberta da existência de seres como elfos e sereias. As últimas horas já haviam lhe mostrado o quanto desconhece do mundo oculto que começara a desvendar. Gerda continuou:
- Não adianta irmos agora pois sereias são criaturas diurnas, e não gostaria de incomodá-las por motivo algum. Vamos descansar agora e amanhã na primeira hora iremos até a costa.
Os dois foram se deitar, mas Saul não conseguia dormir. A ansiedade, medo e outras sensações o consumiam e não o deixavam relaxar. Gerda roncava como se nada tivesse acontecendo. Essa foi a noite mais longa da vida de Saul.
Quando enfim raiou o dia, eles levantaram e trataram de seguir rumo a costa para recuperar o Cajado. Ao chegar lá, Gerda arregaçou uma das mangas, colocou a mão no chão e disse:
- Merenneito, tule luokseni!
Um canto suave e hipnotizante começou a soar. O mar ficou calmo e a sereia apareceu surgindo bem devagar e vindo de encontro ao barranco. Gerda então pediu para que ela trouxesse o Cajado quando a sereia advertiu:
- As torres cairão, as pessoas não mais usarão seda como vestes e cavalos não terão armaduras de prata. Dor e sofrimento eu vejo na escuridão. - e submergiu.
- Onde ela foi vovó? - Saul já estava aflito.
- Calma meu querido, tenha paciência.
Passado alguns minutos, a sereia retornou com o Cajado na mão. Entregou para Gerda e emitiu um silvo agudo e foi embora. Quando o Cajado tocou a mão de Gerda, se transformou em uma bengala comum dos tempos modernos. Saul ficou surpreso e ao mesmo tempo tonto pelo grito da sereia. A senhora baixinha se virou para seu neto e disse:
- Saul, agora vai começar a tarefa mais difícil de nossas vidas. Esteja preparado. - dito isto, eles desapareceram daquele local.
Enquanto isso, não muito longe dali, uma menina magrela anda sozinha por uma estrada deserta de terra do interior. Chegou a um poço abandonado perto de um vilarejo, levantou as mãos para o alto e proclamou palavras impronunciáveis. A boca do poço se iluminou e três formas saíram rastejando lá de dentro. Quando o processo terminou a menina então falou:
- Kateus, Laiskiainen, Massaily. Que bom revê-los.
(continua...)